24/10/2014

Actividade para a integração de fonemas no discurso

Se há fase difícil de trabalhar e nível difícil de atingir é o da integração de qualquer fonema no discurso espontâneo. As perturbações dos sons da fala são, provavelmente, aquelas que a população em geral liga directamente ao terapeuta da fala. Existem diversas abordagens, como é sabido; de entre elas destaca-se a mais conhecida e utilizada - a colocação fonética (do inglês phonetic placement).
Da minha prática clínica posso afirmar que o mais difícil nesta abordagem é, realmente, conseguir que a criança fale no seu dia-a-dia e em todos os contextos usando correctamente esse som; ou não fosse esse o grande objectivo.
Tenho várias actividades que uso transversalmente para o atingir - será difícil, aqui, distinguirmos o discurso espontâneo do dirigido.

A minha preferida é a "história partilhada". Quando montei a minha clínica fiz questão de várias coisas, mas a mais importante e difícil foi ter uma mesa redonda para diminuir ao máximo o impacto do tradicional ambiente clínico. Tendo em conta isto gosto de me sentar frente a frente com a criança, sem obstáculos físicos no meio. Esta actividade consiste em contar uma história partilhada entre os dois - é fantástica e garanto que daqui surgem histórias inesperadas. O mote para iniciar pode ser dado por mim ou pela criança. Assim, um de nós diz uma frase que inicia a história. O outro diz mais uma frase que complemente a anterior - assim sempre, sucessivamente. Obviamente que, mais uma vez, esta actividade pode ter muitos objectivos - neste caso, explico objectivamente ao miúdo que quero que ele se lembre sempre do som que estamos a trabalhar. Quando ele se esquece - devemos lembrar e ele deve reformular! Nesta actividade a criança foca-se mais no conteúdo da história e na criação do mesmo - descentralizando a sua atenção na dificuldade de produção do som. É bastante próximo do discurso espontâneo e, por isso, recorro com frequência à actividade.

15/10/2014

A utilização de histórias como recurso terapêutico

As histórias e contos embelezam a vida de todas as crianças. Sempre que possível, enquanto terapeuta, tento contribuir para essa felicidade. Aliás, se estamos a falar de crianças em que o prognóstico a nível de participação social e profissional é realmente reservado eu digo sempre aos pais - o meu grande objectivo é que o menino seja feliz.

Ora, isto tudo para vos pedir que, ao seleccionarem o vosso material para terapia, tentem escolher algo significante.
Utilizo contos e histórias com frequência. Tal como qualquer outro material, as possibilidades de utilização são inúmeras e o seu objectivo de utilização varia consoante o caso com que estamos a trabalhar.

Passo a enumerar, agora, algumas das suas utilizações frequentes:
-O simples ditado;
-O reconto de excertos ou do texto integral;
-A remoção dos espaços entre as palavras para a criança os delimitar;
-Identificação dos erros;
-E tantos outros que não me recordo e que vêm da nossa fantástica capacidade de imaginação.

Uma forma de arranjarmos textos de qualidade, com bom conteúdo e bem escritas, é através dos manuais escolares de língua portuguesa. Recorro ainda, com frequência, a textos disponibilizados na internet. Têm a vantagem de estarem já digitalizados e assim podermos retirar as imagens, aumentar o tamanho da letra e o espaçamento de linha, acrescentar erros para a criança identificar, remover os espaços, etc.

Estes são os sites a que recorro com frequência:
-Contos infantis e juvenis - http://contosinfantisejuvenis.blogspot.pt - o autor disponibiliza textos muito divertidos que são motivo para rir aqui no gabinete! Muito engraçadas e simples.
-Histórias e contos infantis - http://www.historias-infantis.com - tem contos, fábulas e lendas muito bem concebidas. Se é alguém que gosta de escrever pode também submeter o seu.

Claro está que não nos podemos esquecer do nosso rico património, tão afamado. São deles exemplo o grande autor La Fontaine, a muito nossa e querida Sophia de Mello Breyner, entre tantos outros. Se pensarmos numa faixa etária mais avançada podemos recorrer aos fantásticos diários do Adrian Mole (para adolescentes) ou aos Diários de Um Banana!

No entanto, devo alertar que se pretenderem recorrer a uma fonte online devem sempre rever o texto. Os erros existem e as estruturas gramaticais, bem como o vocabulário podem ser modificados consoante a criança.

Deixo-vos com estas sugestões que, mais uma vez, fazem com que sejamos profissionais diferentes dos outros e com que abrilhantemos a vida dos nossos meninos!



28/08/2014

Ventriloquismo: um mistério desafiante

Como terapeuta da fala que sou, sempre fiquei intrigado com o ventrioloquismo: mas como é que aquilo funciona? Perguntei a várias pessoas, a maioria senão todas, respondem que "a voz vem do estômago". Será que se referem à voz esofágica? E quanto a vocês, caríssimos leitores, qual é a ideia que têm acerca disto? Comentem para dar as vossas ideias. Pois então decidi procurar e, como bom "googler" que sou, comecei.

Para ser um bom ventríloquo é necessário muito treino. Ser ventríloquo é uma arte e, aliada a ela, está por exemplo a "stand-up comedy" - não faria sentido algum ver um espectáculo dos famosos José Freixo e Donaltim, sem toda aquela interacção humorística. Não é minha intenção, com este artigo, roubar, expor ou banalizar o segredo - é, sim, o interesse científico que está por detrás destas competências dificílimas de atingir.

Desmistifico o preconceito, revelando que a nada tem que ver com a voz "do estômago" ou a dita voz esofágica. Para nós, terapeutas da fala, este é um assunto muito interessante - já vão ver porquê.

Apesar do treino ter de ser muito, a explicação é relativamente simples: consiste na substituição de sons com pontos articulatórios labiais por outros semelhantes que não recorram aos lábios - pressupõe ainda a imobilidade quase total dos músculos faciais (pelo menos aos olhos dos espectadores). Leiam, por favor, novamente este último parágrafo e parem para reflectir.

Pararam? Ok. Então: pensem, por exemplo, no som bilabial /b/ - como o produzem sem usar os lábios? Sim, a resposta é essa - não produzem. Arranjam um que o substitua - esse som é o /g/. Agora vocês dizem - mas eu estou a tentar dizer uma lista de palavras com essa substituição e não o som é sempre artificial. A arte começa exactamente aqui - o actor redirecciona a atenção dos espectadores para o boneco ou fantoche - as pessoas estão ainda atentas ao conteúdo da mensagem, normalmente humorística. Imagino que cada artista desenvolva outras competências que tornem mais subtil esta substituição - mas desconheço.

Vem agora a outra parte, também ela importante. Eu, por exemplo, não tenho interesse em aprender esta arte porque nem uma anedota sei contar, quanto mais entreter e fazer rir uma plateia? É importante o improviso para interagir com a plateia, a parte cómica de cada actor... Enfim - só uma junção de ambas as partes é que fará um artista completo no que diz respeito ao ventriloquismo. É este o motivo que eu encontro para haver tão poucos.

Deixo-vos, agora, com um fantástico vídeo de José Freixo e Donaltim - vejam a capacidade que ele tem para interpretar dois papéis e interagir um com o outro.

Um exemplo internacional, talvez o mais famoso da actualidade, é o Jeff Dunham e o seu Achmed - vejam só!


Como terapeutas da fala, pensem na dificuldade que é aprender a substituir tantos sons da fala e automatizar isso tudo para usar de forma cómica em frente a uma plateia. Não vos faz lembrar uma criança com uma perturbação fonética? Hum... Será um bom exercício para nós todos fazermos e percebermos a dificuldade enorme das tarefas que pedimos a alguns dos nossos meninos.

08/07/2014

A utilização de desenhos animados como recurso na terapia da fala

Não sou um terapeuta abastado, pelo menos no que diz respeito a materiais de intervenção. Por outro lado acho que tenho imaginação que compensa isso. Recentemente estive nos Estados Unidos e... eles têm tudo - desde testes formais a materiais de intervenção. A justificação é fácil: há muito dinheiro e pouca disponibilidade (agendas cheias). Pelo contrário, não têm metade da nossa imaginação.


ATENÇÃO: todas as actividades e objectivos propostos devem ser adequados a cada caso. O que serve para o exemplo que dou aqui pode não se aplicar ao vosso caso.

Uso, com frequência, o computador como meio de apresentação de estímulos. Gosto imenso, tal qual os meus meninos, de trabalhar com base em desenhos animados. É possível, com facilidade, encontrar um que se adeque aos nossos objectivos terapêuticos - assim, deixo na maioria das vezes, a criança escolher o seu personagem. Se for eu a escolher, sem dúvida vou para o Mickey!

Há alguns que são mais adequados do que outros. Já encontrei uns que são inúteis - ou pela falta de conteúdo ou, por outro lado, pela sua complexidade. Os desenhos animados da Disney, em geral, são bons porque: não são confusos, têm acontecimentos muito divertidos e atrativos, são lógicos. Se formos para o Ruca ou o Noddy, conseguimos tirar a vantagem de uma narrativa grande e não de acontecimentos pequeninos.

De uma forma geral, este recurso é especialmente útil nos seguintes casos:
-Reconto da narrativa: pode ser feito na íntegra apesar de o fazer raramente dada a dificuldade, normalmente vou parando o filme e peço à criança para recortar o que aconteceu;
-Estrutura frásica: ao longo do filme faço pausas nos acontecimentos que são mais importantes e faço perguntas sobre os mesmos; se falarmos numa criança com poucas competências podemos pedir apenas que nomeie a acção; no outro extremo temos outra criança, a quem apresentamos vários acontecimentos seguidos e ela deve construir frases mais ou menos complexas.
-Vocabulário passivo e activo: apesar de não usar com tanta frequência por ser moroso a filtrar aquilo que queremos, os vídeos podem ser úteis para aumentar o repertório lexical. Assim, podemos, pedir à criança para identificar directa ou indirectamente o que quisermos, bem como podemos pedir para fazer uma simples tarefa de nomeação.
Os desenhos animados sem fala são um recurso fantástico, pois dá para trabalhar uma série de competências. 

São úteis, principalmente, porque não houve modelo nem distractores. Senão vejamos:
-A criança pode imaginar e recriar a fala do personagem que acabou de falar. Assim estamos a trabalhar as competências metapragmáticas, noções cinésicas e proxémicas; na área da semântica a criança deverá ser capaz de nomear o vocabulário que envolve aquela determinada acção; é especialmente útil na construção de frases.
-As noções de interacção social e reflexão sobre os comportamentos podem ser trabalhadas de uma forma facilitada, uma vez que o desenho está desprovido de fala.

Não se esqueçam que tudo está na vossa criatividade e, depende naturalmente, de cada caso.

Aqui fica uma playlist do youtube que vocês podem usar.
http://www.youtube.com/playlist?list=PLjKTW5Ft1HsBlmlJb4z90TEU77KxDDNd1